segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Cortando o Cabelo

Corte de Cabelo

Estava ali cortando o meu cabelo. Aqueles comentários de sempre:
- Tira bastante, quero economizar.
- Se eu tirar muito você vai ficar careca, e sua mulher briga comigo.
- Como vai em casa
- Vê se corta só os brancos
E o papo vai fluindo neste nível. E vai morrendo. Ouço uma conversa na cadeira do lado.
- Pois é a filha da Dona Júlia....
Não escuto mais.Minha mente viaja para muitos anos atrás, uma outra Dona Júlia, que dava aula para mim no quarto ano primário,  lá no Tatuapé, e que tinha uma filha. Uma linda filha.Uma bela filha. Uma grande paixão infantil. E fiquei lembrando do tempo. Era até apropriado estar no barbeiro, pois afinal tinha um rival naquela minha paixonite aguda.
Chamava-se Kleber. E tinha algo que eu não tinha. Cabelo escovinha.
Coisa rara naqueles tempos, em que os pais só autorizavam o corte americano, para economizar barbeiro. Imagina se iam comprar creme e fixadores para tornar aquele cabelo lambido de vaca em algo parecido com uma escovinha.
E o Kleber desfilava aquele seu cabelo e concorria comigo nos olhares da menininha que acompanhava de vez em quando a mãe até a nossa classe. Menina que com seus instintos de mulher já percebia o que estava despertando naqueles dois meninos e ora sorria para um, ora para outro.
Num dia ficou no recreio conversando comigo. NO fim da aula deixou que ele a acompanhasse até sua casa.
Meus pensamentos foram interrompidos ao ver entrar um careca na barbearia. Um careca no barbeiro é de chamar a atenção. Tinha mais ou menos a minha idade, mas aparentava mais. Não sei pela carequice ou pelo desânimo.
E enquanto  o barbeiro brigava  com os meus cabelos, que de lambidos já não tinham nada, mas formavam uma maçaroca grande que não parava de crescer, puxou papo com o recém chegado que estava ali de passagem.
- E aí, seu Kleber, foi de novo no banco. Saiu o seu pagamento.
- Saiu nada. E o sol lá de fora me judia muito.
- Pois é, enquanto uns não tem nada para proteger a cabeça que nem o senhor, já o amigo aqui tem demais.
- Pois quem me dera.
- Faz implante – sugeriu outro que também estava ali aguardando a sua vez
- Fica muito ridículo. Não dá não.
E o barbeiro:
- E o senhor tinha tanto orgulho de seu cabelo.
- Deve ser por isso que ele foi embora. De tanto que escovei. Desde moleque lá no Tatuapé, sempre escovei muito. Usava até cabelo escovinha,  que enchia de glostora pra ficar durinho. Agora, qualquer caminhada até o banco já fico com a careca vermelha.
Enquanto ele falava ia pensando: Kleber, Tatuapé, escovinha, só faltava ele falar na Dona Júlia. Quase perguntei se ele não era aquele Kleber de quem eu tanto invejava o cabelo, e se ele saberia que fim tinha levado a filha da professora.
Mas resolvi me calar. Prefiro pensar que era ele mesmo, e que, numa espécie de compensação da vida ele hoje tinha a mesma inveja do meu cabelo que um dia eu tive do dele.
O barbeiro terminou o serviço, colocou o espelho para que a gente de aquela olhada, levantei, paguei e fui embora.
Na  saída ainda dei uma última olhada naquele cara com ar cansado, derrotado que se sentara num barbeiro para fugir do sol que lhe queimava o crânio e lembrei do garoto altivo, muito legal que foi meu amigo naquele breve ano. Não, não era o mesmo.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Mais uma de neto

Praia, de noite, tentando distrair os netos.
Estica um edredon no chão, espalha pedras de dominó e tenta brincar. Lógico que não da certo. Isabela com  9 que ja sabe brincar, Luisa com 6 que sabe mais ou menos e o Gabriel de 2.
Depois de algumas tentativas, sete pedras para cada um deles, todas viradas para cima,  começa a primeira rodada.
Coloco o seis duplo, Isabela coloca um seis, e o próximo o Gabriel não tem nenhuma para encaixar. Digo então:
- O Gabriel pula.
E quando vou orientar a Luisa, o Gabriel levanta, começa a pular em cima do edredon, gritando:
- Oba, O Gabriel pula, o Gabriel pula.