Era uma vila, para a qual se
entrava por uma espécie de túnel formado pelo andar superior de alguma loja, ou
mesmo de um sobrado. Nunca cheguei a reparar. O calçamento era formado por
paralelepípedos que deixavam nascer nas suas frestas tufos de grama. Formava um
semi tapete nas beiradas, onde era menos pisado, e no meio as pedras lisas
pelos inúmeros passos. Automóveis e outros veículos eram muito raros na época
e no local .
Do lado direito de quem
entrava um conjunto de casa geminadas idênticas, estreitas e compridas, com uma
pequena escada na frente que dava acesso a única porta da casa, direto na sala.
No alto da escada um pequeno patamar vermelho, geralmente brilhando da cera
recém aplicada.
Do lado esquerdo um muro
comprido, já meio desgastado pelo tempo, mais grosso embaixo, e que era
completado por uma parede fina em cima. Na minha visão de garoto devia ter mais
de três metros de altura.
A última casa desta pequena
vila da rua do Hipódromo, era dos meus tios, e para lá a gente se dirigia de
vez em quando. Algumas velhas fotografias me mostram ou chorando ou lampeiro ao
lado de quadros. Estes quadros, geralmente de cores fortes, ficavam pendurados
na sala, tendo sido pintados pelo meu tio.
Daquela pequena vila ficaram
na memória as pedras da pequena rua, sua entrada sombria, seus quadros e um
bairro, o Brás.
O Brás lembra Celso Garcia e
Largo da Misericórdia, aquele das porteiras que “quando abre, fecha”. Lembra
também a Estação do Norte que descarregava todo dia milhares de trabalhadores
que vinham de São Miguel, Guaianazes, Ermelindo Matarazzo e outros nomes
daquelas vilas tão distantes.
Uma adiantada no tempo para lembrar que a maioria
destes trabalhadores tinham seu destino final longe dali, e corriam do trem
para pegar o ônibus. Uma das linhas mais requisitadas era a Belém - Rebouças,
que eu usava, e que vinha até folgado para os padrões da época, ou seja apenas
alguns em pé. Com o embarque destes passageiros a gente era jogado para frente,
e podia se dar por feliz quando se conseguia respirar.
Entre as lembranças do Brás
esta a Lojas Pirani, onde um dia posei com um belo acordeon, fazendo pose de
músico, para fazer jus a algum brinde, e
da desativada estação de bondes, transformada mais tarde em garagem de ônibus
elétrico.
Era um bairro longe da vila
Gomes Cardim, onde morava, e para chegar até ele atravessava-se todo o Belém.
Na já citada Celso Garcia, a principal avenida do bairro, lojas brigavam com
cinemas por espaços. E por falar em cinema, qual o nome ( e o destino) daquele
que ficava na esquina da Bresser e onde fui assistir “Django”, um faroeste italiano,
acompanhando um amigo que precisava de alguém para fazer “sala” para a prima da
sua paquera. Ele ficou "ligeiramente" aborrecido quando descobriu que
a prima era muito mais bonita que a paquera.
Para chegarmos à casa dos
meus tios, descia-se do ônibus na 21 de abril, em frente à maternidade onde
nasceram alguns dos meus sobrinhos alguns anos depois. Pegava-se a rua do
Hipódromo à esquerda e cem metro depois estava o túnel. Nesta rua ficava, ou
fica ainda um presídio do qual nunca tive notícia. Passei tanto por lá e nunca
o vi.
No mesmo Brás passei certa
noite, já mais maduro, de madrugada, vindo a pé desde a avenida Paulista e indo
para casa. Foi uma caminhada e tanto pela noite de São Paulo, andando toda a
extensão da Avenida até chegar na Tuiuti, vendo aquele monte de lojas fechadas,
um ou outro boteco expulsando seus últimos bêbados, enquanto alguns ônibus
noturnos chacoalhavam vazios, como que me convidando a deixar a caminhada e
abrigar-me neles.
E as lembranças do Brás se
encerram passando o viaduto do Gasômetro, para, ao entrar na rua do mesmo nome,
virar a esquerda numa pequena viela escondida atrás da igreja de São Brás
(acuda este rapaz) e entrar na loja de couros de um outro tio. Várias vezes ia
ate lá para conversar com meu primo e matar o tempo, mas isto já é uma outra
história.