quinta-feira, 12 de abril de 2012

Bras


Era uma vila, para a qual se entrava por uma espécie de túnel formado pelo andar superior de alguma loja, ou mesmo de um sobrado. Nunca cheguei a reparar. O calçamento era formado por paralelepípedos que deixavam nascer nas suas frestas tufos de grama. Formava um semi tapete nas beiradas, onde era menos pisado, e no meio as pedras lisas pelos inúmeros passos. Automóveis e outros veículos eram muito raros na época e  no local .
Do lado direito de quem entrava um conjunto de casa geminadas idênticas, estreitas e compridas, com uma pequena escada na frente que dava acesso a única porta da casa, direto na sala. No alto da escada um pequeno patamar vermelho, geralmente brilhando da cera recém aplicada.
Do lado esquerdo um muro comprido, já meio desgastado pelo tempo, mais grosso embaixo, e que era completado por uma parede fina em cima. Na minha visão de garoto devia ter mais de três metros de altura.
A última casa desta pequena vila da rua do Hipódromo, era dos meus tios, e para lá a gente se dirigia de vez em quando. Algumas velhas fotografias me mostram ou chorando ou lampeiro ao lado de quadros. Estes quadros, geralmente de cores fortes, ficavam pendurados na sala, tendo sido pintados pelo meu tio.
Daquela pequena vila ficaram na memória as pedras da pequena rua, sua entrada sombria, seus quadros e um bairro, o Brás.
O Brás lembra Celso Garcia e Largo da Misericórdia, aquele das porteiras que “quando abre, fecha”. Lembra também a Estação do Norte que descarregava todo dia milhares de trabalhadores que vinham de São Miguel, Guaianazes, Ermelindo Matarazzo e outros nomes daquelas vilas tão distantes.
Uma adiantada no tempo para lembrar que a maioria destes trabalhadores tinham seu destino final longe dali, e corriam do trem para pegar o ônibus. Uma das linhas mais requisitadas era a Belém - Rebouças, que eu usava, e que vinha até folgado para os padrões da época, ou seja apenas alguns em pé. Com o embarque destes passageiros a gente era jogado para frente, e podia se dar por feliz quando se conseguia respirar.
Entre as lembranças do Brás esta a Lojas Pirani, onde um dia posei com um belo acordeon, fazendo pose de músico, para fazer jus a algum brinde,  e da desativada estação de bondes, transformada mais tarde em garagem de ônibus elétrico.
Era um bairro longe da vila Gomes Cardim, onde morava, e para chegar até ele atravessava-se todo o Belém. Na já citada Celso Garcia, a principal avenida do bairro, lojas brigavam com cinemas por espaços. E por falar em cinema, qual o nome ( e o destino) daquele que ficava na esquina da Bresser e onde fui assistir “Django”, um faroeste italiano, acompanhando um amigo que precisava de alguém para fazer “sala” para a prima da sua paquera. Ele ficou "ligeiramente" aborrecido quando descobriu que a prima era muito mais bonita que a paquera.
Para chegarmos à casa dos meus tios, descia-se do ônibus na 21 de abril, em frente à maternidade onde nasceram alguns dos meus sobrinhos alguns anos depois. Pegava-se a rua do Hipódromo à esquerda e cem metro depois estava o túnel. Nesta rua ficava, ou fica ainda um presídio do qual nunca tive notícia. Passei tanto por lá e nunca o vi.
No mesmo Brás passei certa noite, já mais maduro, de madrugada, vindo a pé desde a avenida Paulista e indo para casa. Foi uma caminhada e tanto pela noite de São Paulo, andando toda a extensão da Avenida até chegar na Tuiuti, vendo aquele monte de lojas fechadas, um ou outro boteco expulsando seus últimos bêbados, enquanto alguns ônibus noturnos chacoalhavam vazios, como que me convidando a deixar a caminhada e abrigar-me neles.
E as lembranças do Brás se encerram passando o viaduto do Gasômetro, para, ao entrar na rua do mesmo nome, virar a esquerda numa pequena viela escondida atrás da igreja de São Brás (acuda este rapaz) e entrar na loja de couros de um outro tio. Várias vezes ia ate lá para conversar com meu primo e matar o tempo, mas isto já é uma outra história.