quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

NOME DE RUA

         Não sei como, ou melhor até sei o como, e o porquê, só não sei mesmo o para quê. Virar nome de rua deve ser o sonho de muita gente. É um tal de político colocar o nome do pai, do avô, da mãe.
         Mas e o homenageado? O que ele acha daquilo? Qual a opinião que ele teria? Alguém alguma vez perguntou pro nome do dono o que ele achava daquela homenagem? Pois deviam.
         Começa pelo perigo. Você pede para colocar o nome do seu pai numa rua. Aquele que você considera um santo, que em vida era assíduo freqüentador de igreja, benemérito participante da comunidade, esteve à frente de todos os movimentos moralizadores do seu bairro. Um exemplo para os cidadãos e os netos. E você convence um vereador a fazer a proposta e lá está o seu pai nome de rua. E a rua, por uma destas ironias vira ponto de travecos e prostitutas. Ou abre um cassino ali, bem no meio da rua. Seu pai que brigou até com sua mãe quando ela, brincando com a comadre sobre um doce disse sorrindo:
         — Aposto que o meu é melhor!
         O velho levantou lá da sala, e disse que não aceitava nem brincando que se apostasse. Que a aposta era o caminho da perdição etc. E agora está ali, dando endereço para bingo. Ou em manchete policial de jornal:
         RUA ANTONIO MENDES TORNA-SE PROBLEMA DE SEGURANÇA
         Pode ser também que pela habitual imperícia dos nossos prefeitos, a rua em que você pediu para colocarem o nome da sua mãe, aquela santa da Dona Matilde Silva, seja toda esburacada, com armadilhas para o motorista. E um grita para o outro:
         — Não passa naquela merda da Matilde Silva, aquilo tá muito ruim.
         Pronto, dona Matilde que em vida nunca deu motivo para ninguém falar um aí que seja dela, está na boca do povo, sendo humilhada, virando merda.
         Risco maior correm aqueles que aceitam que os seus parentes substituam nomes consagrados pelo povo, mas que algum nobre edil resolve que Travessa do Furo Em Baixo não fica bem numa cidade progressista como a dele. E vai escolher um nome. E como bom puxa saco sugere a mãe do prefeito:
         A Travessa do Furo Em  Baixo passa a chamar-se Olga Mayor em homenagem à mãe do nosso prefeito.
         E lá vem o povo a estragar a homenagem: Onde é? Na Travessa da Olga do Mayor  Furo Em Baixo.
         Pega mal, não pega?
         Por isso, também pensei no assunto. Quem sabe um dia não tenho um filho ou filha poderoso, até um genro ou nora, ou até mesmo um dos netos com capacidade de determinar nome de rua e  alguém, para lhes puxar o saco, queira me homenagear, não pelo que eu fiz, que não pretendo fazer nada mesmo, mas pelo simples de ser um parente morto disponível.
         Solicito então de forma veemente que, se não for possível recusar, nunca se sabe, afinal, o dia de amanhã, procurem ter alguns critérios na escolha do endereço que vai levar o meu nome.
         Deve ser uma rua curta, dois ou três quarteirões, no máximo. De preferência, começando e terminando em ruas secundária, daquelas que quem passa por ela, é porque tem que ir ali.
         Se puder ter uma escola, creche, ou parque infantil seria bom, afinal crianças são sempre bem vindas em qualquer lugar decente. Casas simples, como dizia a música, com cadeiras na calçada, e na varanda escrito em cima “aqui é um lar”.
         Por favor, reparem bem se não tem igrejas, nem templos, de nenhuma espécie. Não que eu seja contra a religião, muito pelo contrário, que eu não dou conta nem das forças daqui, não vou querer encrenca com as do além, mas já vou estar morto mesmo, minha oportunidade de freqüentar igrejas já passou, e além disso, tenho em mim que ultimamente as pessoas estão indo a estes lugares para se esquecer do mundo aqui fora, e na minha rua, quero gente que goste deste mundo.
         Lógico que ela seria calçada, pois os moradores querem ter um pouco do conforto urbano, mas seria bom se em vez de asfalto tivesse pedras, lajotas ou paralelepípedos, para que uma grama teimosa nascesse entre elas.
         Tomara que em junho, os moradores da minha rua, num fim de semana, a fechem nas esquinas e coloquem mesas no meio, com alguns doces e pipocas, para se comemorar os santos do mês, acendendo uma fogueira num dos cantos para que as crianças possam brincar e se divertir sob a vigilância dos pais. E que na época dos jogos importantes da seleção, se reunam todos para comemorar as vitórias ou repartir as tristezas da derrota.
         E no Natal e Ano Novo, as pessoas se coatizem e comprem bastante fios com lampadinhas, iluminando as árvores da minha rua, e que se confraternizem, esquecendo as fofocas e briguinhas que tiveram durante o ano.
         Que uma menina namore no portão, e saia dali para iniciar a vida em outro lugar, mas nunca esquecendo a rua onde foi criada, querendo transportar a magia que existia ali para outros lugares.
         Que um casal consiga ali comprar sua casa financiada, e que ali monte sua família, até que ele, já aposentado, e com a casa paga, possa gozar de uma velhice tranqüila.
         E que se Deus me permitir eu seja personagem da canção que as crianças brincando cantarão alto, e as mães, bem baixinho, para os nenes:
         Nesta rua,
nesta rua
tem um anjo
         Que se chama
que se chama
         (....)  Se você chegou até aqui e gostou, neste espaço coloque o nome
de sua predileção.

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