sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

 DIGA-LHE QUE ENTRE

Estava o velho deitado na cama. Ao seu lado velava o filho mais novo. Filho que já não era tão novo. Mesmo tendo nascido quando ele já estava com quase cinqüenta, era agora um homem de seus 35 anos.
A doença o fazia sofrer. Já nem se lembrava da última vez que deixou aquela cama. Passava os dias pensando e lembrando. E o filho ali, a toda hora velando por ele. De vez em quando vinha uma enfermeira, passava ali algumas horas. Das suas duas filhas, uma morava em outro país, só ouvia sua voz por telefone, e muito raramente. A outra, com dois empregos e três filhos, mal conseguia cuidar dela mesma.
E ficava este filho a lhe cuidar. Sempre muito protegido. Nunca exercera uma profissão, vivendo do que o pai lhe dava. Boa alma, bom caráter, mas indolente sem ser preguiçoso. Não gostava de sair de casa. Sempre caseiro, com seus livros, seus discos. E agora a cuidar dele, com carinho e paciência.
A campainha da porta toca. O filho se levanta para atender. O pai o chama:
— Meu filho, veja bem quem está tocando. Se for a Dalva, uma antiga namorada que tive antes de conhecer sua mãe, que ficou brava comigo porque não a levei para cama, e que sempre me cobrou isso, diga-lhe para ir embora. Não tenho mais apetite nem para sexo, nem para vencer antigas batalhas.
— Se for um rapaz loiro forte, querendo brigar comigo, porque um dia, numa festa ele mexeu com sua mãe, e dei-lhe um empurrão e ele ficou na saída a me esperar para terminar a briga, expulso que foi pelos donos da casa, e ao sairmos, os nossos amigos em comum não nos deixaram terminar aquela briga, diga-lhe que esta é mais uma das coisas que deixarei sem terminar. Não vou brigar agora, e acho que ele também não está mais em idade de brigar por mulher. Diga-lhe para ir embora.
— Se for uma criança, uma menininha de nome Maria, Maria Fernanda, com seus três anos, diga-lhe para ir embora. Até hoje choro por não estar no hospital no dia em que ela morreu. Era para ser mais uma das suas irmãs, mas levou-a cedo uma doença esquisita. Ficou dela uma dor e uma saudade.
— Se quem estiver ali na porta for o Manoelzinho com uma bola me chamando para jogar, diga a ele que não sei mais chutar, nem mesmo de dar um bom passe sou capaz. Perdi a paixão pelo esporte, e nem sei mais se valeu a pena chorar aquelas derrotas e cantar aquelas vitórias. Diga-lhe para ir embora.
— Olha meu filho, pode ser o Sidney, um padre, que sempre tentou me ensinar como professar uma fé, como seguir de verdade um religião. Pobre Sidney, quanta conversa perdida, quanta saliva gasta com este pecador renitente, que buscava apenas o prazer de uma cerveja, em lugar de se ajoelhar para rezar. Diga ao Sidney para ir embora, pois os meus pecados e virtudes já estão registrados, e pouco ele pode fazer por mim agora.
— Quem sabe seja sua mãe, que vem me fazer uma última visita. Não a deixe entrar, não quero me veja assim. Afinal, já se vão dez anos desde que ela morreu, e se eu já não estava muito bem naquela época, bem pior estou agora. Diga-lhe que ela me espere, que logo estarei com ela, lá, onde ela está. Não a deixe entrar.
— Mas, meu filho, se quem estiver batendo for a morte, esta maldita dama, que a todos aniquila, que desde o nosso nascimento fica de tocaia a esperar pelo momento de dar o seu bote, que sempre atinge o seu objetivo, pois se até Lazaro, que foi salvo por Jesus, morreu depois. Se for esta dama, que já levou a Dalva, a Maria Fernanda, a sua mãe, o Sidney, o rapaz louro que queria brigar comigo, se for a morte meu filho e se ela vier me buscar:

— Diga-lhe que pode entrar.

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