DIGA-LHE QUE ENTRE
Estava
o velho deitado na cama. Ao seu lado velava o filho mais novo. Filho
que já não era tão novo. Mesmo tendo nascido quando ele já estava
com quase cinqüenta, era agora um homem de seus 35 anos.
A
doença o fazia sofrer. Já nem se lembrava da última vez que deixou
aquela cama. Passava os dias pensando e lembrando. E o filho ali, a
toda hora velando por ele. De vez em quando vinha uma enfermeira,
passava ali algumas horas. Das suas duas filhas, uma morava em outro
país, só ouvia sua voz por telefone, e muito raramente. A outra,
com dois empregos e três filhos, mal conseguia cuidar dela mesma.
E
ficava este filho a lhe cuidar. Sempre muito protegido. Nunca
exercera uma profissão, vivendo do que o pai lhe dava. Boa alma, bom
caráter, mas indolente sem ser preguiçoso. Não gostava de sair de
casa. Sempre caseiro, com seus livros, seus discos. E agora a cuidar
dele, com carinho e paciência.
A
campainha da porta toca. O filho se levanta para atender. O pai o
chama:
—
Meu filho, veja bem quem está tocando. Se for a Dalva, uma antiga
namorada que tive antes de conhecer sua mãe, que ficou brava comigo
porque não a levei para cama, e que sempre me cobrou isso, diga-lhe
para ir embora. Não tenho mais apetite nem para sexo, nem para
vencer antigas batalhas.
—
Se for um rapaz loiro forte, querendo brigar comigo, porque um dia,
numa festa ele mexeu com sua mãe, e dei-lhe um empurrão e ele ficou
na saída a me esperar para terminar a briga, expulso que foi pelos
donos da casa, e ao sairmos, os nossos amigos em comum não nos
deixaram terminar aquela briga, diga-lhe que esta é mais uma das
coisas que deixarei sem terminar. Não vou brigar agora, e acho que
ele também não está mais em idade de brigar por mulher. Diga-lhe
para ir embora.
—
Se for uma criança, uma menininha de nome Maria, Maria Fernanda, com
seus três anos, diga-lhe para ir embora. Até hoje choro por não
estar no hospital no dia em que ela morreu. Era para ser mais uma das
suas irmãs, mas levou-a cedo uma doença esquisita. Ficou dela uma
dor e uma saudade.
—
Se quem estiver ali na porta for o Manoelzinho com uma bola me
chamando para jogar, diga a ele que não sei mais chutar, nem mesmo
de dar um bom passe sou capaz. Perdi a paixão pelo esporte, e nem
sei mais se valeu a pena chorar aquelas derrotas e cantar aquelas
vitórias. Diga-lhe para ir embora.
—
Olha meu filho, pode ser o Sidney, um padre, que sempre tentou me
ensinar como professar uma fé, como seguir de verdade um religião.
Pobre Sidney, quanta conversa perdida, quanta saliva gasta com este
pecador renitente, que buscava apenas o prazer de uma cerveja, em
lugar de se ajoelhar para rezar. Diga ao Sidney para ir embora, pois
os meus pecados e virtudes já estão registrados, e pouco ele pode
fazer por mim agora.
—
Quem sabe seja sua mãe, que vem me fazer uma última visita. Não a
deixe entrar, não quero me veja assim. Afinal, já se vão dez anos
desde que ela morreu, e se eu já não estava muito bem naquela
época, bem pior estou agora. Diga-lhe que ela me espere, que logo
estarei com ela, lá, onde ela está. Não a deixe entrar.
—
Mas, meu filho, se quem estiver batendo for a morte, esta maldita
dama, que a todos aniquila, que desde o nosso nascimento fica de
tocaia a esperar pelo momento de dar o seu bote, que sempre atinge o
seu objetivo, pois se até Lazaro, que foi salvo por Jesus, morreu
depois. Se for esta dama, que já levou a Dalva, a Maria Fernanda, a
sua mãe, o Sidney, o rapaz louro que queria brigar comigo, se for a
morte meu filho e se ela vier me buscar:
—
Diga-lhe que pode entrar.
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