sexta-feira, 25 de março de 2011

DESDE “ O FIO, QUER FAZER AMOR COMIGO’ ATÉ ‘TIO, QUER TIRAR A PRESSÃO?”

Quantos anos terão se passado entre uma frase e outra, 30, 35, quase 40 anos. Duas caminhadas pelas ruas de São Paulo, duas frases ouvidas de duas mulheres já idosas. Na primeira vez, alem de idosa, bem mais idosa do que eu. Na Segunda, sua idade devia ser um pouco inferior à minha.
            As ruas de São Paulo já não surpreendem para quem tem o hábito de caminhar e olhar estas ruas, aquelas construções, mas principalmente as pessoas no seu eterno ir e vir, a trocar conversas e impressões.
            Um dia, há muito tempo atrás , rapazote, fui encarregado pelo chefe do escritório para levar uma correspondência do escritório da empresa em que trabalhava até uma das suas fábricas. O caminho era curto, ia da Senador Queiroz, logo próximo à avenida Prestes Maia até a Alameda Nothman. Passando através da boca do lixo, uma zona de prostituição conhecida por todos, chegaria lá rapidamente. Era qualquer coisa como três horas da tarde e caminhava rapidamente por aquelas ruas, que pareciam mais tranqüilas ruas de qualquer bairro operário, naquela pasmaceira da tarde.
            As profissionais que por lá trabalhavam todas as noites estavam descansando ou cumprindo seus afazeres de dona de casa, ou, quem sabe, fazendo suas compras lá pela rua Direita, gastando o que ganhou ontem para garantir a renda da noite a vir.
            Ao passar por uma casa escutei a frase: “ O fio, quer fazer amor comigo”.
            Olhei, mais curioso do que interessado e deparei com uma senhora de idade indefinida, mas bem avançada, encostada num beiral, aproveitado um resto de sombra.
            — Não, obrigado! Respondi até um pouco ingenuamente, e segui meu caminho. Fui pensando naquela mulher, e se ela ia conseguir algum cliente. A rua estava quase vazia, um que outro gato pingado, ou empregado de escritório passando por ali, assim como eu. Nenhum deles parecia estar procurando um encontro naquele momento.
            O fato dela se referir ao possível cliente como “filho” despertou uma série de pensamentos, como por exemplo, o fato dele ter idade suficiente para ser minha mãe, ou ainda, que tipo de freguês aceitaria este tipo de convite. Seria um prato cheio para um psicólogo, que na época já pensava em ser.
            Mas a história foi ficando na memória e seria esquecida, se novamente, ao caminhar por uma rua de São Paulo não fosse abordado novamente por uma senhora.
            Deste vez foi na Avenida Paulista. Estava passando, passeando por ali, no dia seguinte ao nascimento da minha primeira neta. Caminhava um pouco distraído, procurando um banco e olhando as pessoas que passavam apressadas por mim. Examinava seus rostos. Tentava identificar sonhos, anseios, sei lá mais o quê.
            De repente, alguém me segura pelo braço:
    Quer tirar a pressão tio?
E assim, em alguns anos deixei de ser um possível cliente de uma prostituta para virar um possível cliente de uma profissional da saúde. Mal sabiam elas.
            Naqueles anos da adolescência, o auge dos anos 60 a última coisa que eu pensava era numa prostituta. Afinal, a época do amor livre estava começando, mesmo para nós simples empregados de escritório. As relações eram mais soltas e gostosas, e a gente quase podia fazer uma porção de coisas com as namoradas. O que faltava não pagava o mico de arriscar com uma profissional, e mesmo assim, com a mania de grandeza do qual dizem que sou possuído, com certeza não seria com uma profissional de fim de tarde da boca do lixo.
            Agora, no novo século, tenho uma nova injeção de ânimo que agiliza a minha circulação sangüinea, fazendo com que a pressão se estabilize naqueles 12 por 8 tão propagado pelos médicos. Esta injeção atende pelo nome de Isabela, e ao andar pela Avenida ia pensando na beleza da vida. E aí novamente, a mania de grandeza, estava pensando em procurar um médico pois preciso me cuidar, afinal agora, tenho  que atrapalhar a criação que os filhos vão querer dar à neta. E vocês acham que eu ia deixar uma pessoa qualquer medir minha pressão.
            Mas, mais importantes do que todos estes pensamentos, é a constatação que aquelas duas mulheres estavam procurando um meio de subsistência. Tentando garantir hoje o pão de amanhã, ou quem sabe talvez, o jantar de dali a pouco.
            Esta sociedade que recebeu os meus filhos e que agora se prepara para receber a minha neta, e outros possíveis netos que vem por aí, exige que cada um cuide de si e dos seus.
O “fio” que passava lá na Alameda Nothman em 1968, talvez não tenha parado, porque, ente outras coisas, precisava garantir o pagamento do fim do mês, que ia bancar seu curso de contabilidade, e não podia perder tempo ou dinheiro com diversões baratas. Não sabia que nem onde queria chegar, mas sabia que tinha que fazer alguma coisa para chegar.
Já o “tio” que passeava pela Avenida Paulista não parou porque prevaleceu a distância no trato com as pessoas estranhas, o medo de se envolver, e ser enganado por aquela senhora. Desculpas, tipo não preciso deste serviço, ou pior ainda, não confio nestas profissionais que se dizem da saúde, não apagam a verdade que é o isolamento que o profissional sente pelo ser humano.
Ser humano, muito bom como cliente, ótimo como parente. Mas, povo lá e eu cá.


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