segunda-feira, 22 de junho de 2015

UM CAMINHO DIÁRIO



Uma rua, comprida, que nasce na beira do rio Tietê e vai morrer dois quilômetros adiante numa praça da periferia de São Paulo. No seu começo, além de se ver o rio, vê-se muitas árvores de um imenso jardim, tão grande que é quase um parque e umas casas velhas. Depois de cruzar a avenida a rua já se sofistica (pouca coisa, pois estamos num bairro operário). Algumas lojas e uma escola estadual.
Antes de chegar na linha do trem, um prédio abriga uma igreja, destas que nos anos 90 se tornariam mania; aqui, apenas uma precursora. A linha de trem precisava ser atravessada correndo pois os trens vinham dos dois lados, e onde morreram muitos pedestres desavisados.
A lembrança deste trem trás de volta a amiga bem mais velha, com quem subia toda a noite esta rua, vindo da escola. Os dois cantando “Quem é você” de Chico Buarque, eu fazendo o “pierrô” ela a “colombina” , conseguindo harmonizar os versos de tanta repetição. A irmã dela, mais nova, que estudava na minha classe, vinha quieta e tímida ao nosso lado. Uma tão extrovertida e alegre, e outra tão fechada.
Na passagem de nível o desvio até o viaduto recém inaugurado, distante duas quadras, porque alguns dias antes alguém fora atropelado ali. A irmã mais velha morria de medo e forçava aquela volta. Voltávamos à rua e seguíamos juntos até a casa delas.
Logo após a linha vinha a ladeira onde o ônibus resfolegava e gemia, subindo tão devagar que mais valia ir a pé. Não era a toa que o apelido dele era Poeirinha. Estava sempre atrasado, e apesar de sair de perto da minha escola, e passar na esquina de casa, só o tomava em dias de chuva.
No meio da ladeira a travessa onde um dia, anos depois, a paquera abusada foi bem sucedida, mas esta história tem mais a ver com ônibus vazio, do que com a rua de todo dia.
Também pela metade da ladeira ficava outro colégio, desta vez velho conhecido, pois ali estudei os terceiro e quarto anos primários, e uma outra pequena escola, esta talvez mais marcante, com nome de Anchieta, pois lembro dela, mesmo tendo cursado apenas dois meses como preparatório para entrar no ginásio do Estado.
Vinha a seguir uma praça e no lado formado pela rua que falo ficava o posto que um dia pegou fogo e agitou todo o bairro. Na esquina uma padaria que de tão movimentada transformou seu dono em vereador, e o filho dele em apresentador de um programa sobre Portugal.
Depois da praça, quatro quarteirões que se perderiam na sua simplicidade, não fosse a feira semanal que aos domingos preenchia aquele espaço de vozes, sons e muita gente. Comprava-se café perto da padaria, e andava-se em toda a extensão da mesma até chegar em frente a adega onde terminava a feira.
Ao passar esta adega, um outro quarteirão, o último da rua. Um belo terreno onde o Cruzeiro F.C.. se apresentava todos os domingos, e onde brigas homéricas se sucediam. Numa destas os contendores foram parar nos sobrados que estavam sendo construídos do outro lado rua, e de onde não sobrou quase nenhuma madeira inteira. Este terreno transformava-se em bela lagoa em dias de chuva, até que construíram ali mais um colégio, famoso pela qualidade e pela quantidade de alunos.
Ao fim de mais uma ladeira, esta pequena, o entroncamento com outra praça, que abrigou a primeira biblioteca infantil do bairro. Na esquina uma padaria e uma farmácia, mais um consultório, pela fama que tinha o farmacêutico.
Todas as noites subia por esta rua ao voltar da escola. Acompanhado pelas amigas até a praça, e depois sozinho. Geralmente atravessava a praça em diagonal para pegar a Coelho Lisboa. Prestava atenção naqueles prédios todos, imaginando o que se passava lá dentro. Nas longas caminhadas até chegar em casa, ou então, em noites de chuva, ao passar de ônibus. A rua Tuiuti é hoje uma rua cortada. Uma estação do Metrô atrapalha ( ou facilita) o caminho. Lojas e mais lojas se amontoam perto da Silvio Romero. Ainda tem suas quatro escolas, o que num país de tantos analfabetos é de fazer inveja em qualquer possível concurso que as ruas tenham entre si. De vez em quando passo por lá a procurar o moleque, mas sei que ele esta dentro de mim.
Na rua Tuiuti começa a rua dos Cristais, bem em frente á igreja de um destes pastores, e por esta rua passei muitas vezes em frente à casa de uma menina, mas isto já é uma outra história.



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